ESCREVENDO PARA COMER

Escrever é para uns, necessidade, para outros, prazer, e para ainda muitos outros, um ganha-pão. Mais provavelmente, acaba sendo uma mistura de tudo isso. Mas, o que fazer quando a inspiração não vem? Resolvi dar umas dicas sobre:

COMO ESCREVER SOBRE NADA

OU

GUIA PRÁTICO DO ESCRITOR DESESPERADO

1ª DICA – NÃO CORRIJA MAIS DE TRÊS VEZES CADA SENTENÇA

Não tente imitar os parnasianos. Nada de esculpir cada frase como um Michelangelo da escrita. Se a frase não ficar perfeita na terceira correção, provavelmente não estava destinada a ser uma das frases mais geniais já escritas.

2ª DICA – NÃO IMITE A SI MESMO

Quem imita a si mesmo é tão arrogante que pensa que o maior escritor que já conheceu é ele mesmo... Sendo então o único digno de ser imitado. Além disso, se você repetir coisas já ditas, mudando ligeiramente as palavras, os leitores atentos vão perceber que sua fonte de secou e vão correndo atrás de outra fonte... Quero dizer de outro blog. Quanto aos desatentos, mesmo esses vão acabar sentindo o amargo gosto de requentado e vão acabar contratando outro cozinheiro.

3ª DICA – NÃO TENTE ESCREVER COISAS INTELIGENTES

É uma das mais importantes. Há uma lei da natureza que diz que quanto mais inteligente uma pessoa tenta ser, mais idiota acaba sendo. Uma frase imbecil, mas boa, é cem vezes mais inteligente que uma frase esperta, mas idiota.

Conclusão: É muito melhor ser desinteligente do que ser pseudointeligente.

4ª DICA – SE NÃO CONSEGUIR CRIAR, IMITE OUTROS, MAS SEM IMITÁ-LOS

Se quiser ou precisar imitar, imite os outros, mas sem imitá-los. Calma, eu explico! Imite o esqueleto do que outra pessoa pensou/escreveu/sonhou, mas recheie tudo com sua própria individualidade e estilo. Se não tiver individualidade nem estilo, finja que tem. Só não faça o contrário – tentar copiar o recheio, e colocar um tosco esqueleto seu, torcendo para que seu leitor não tenha lido o original e pense que foi tudo obra sua. O primeiro é paródia, o segundo é plágio.

5ª DICA – QUANDO TERMINAR LEIA TRÊS VEZES O QUE ESCREVEU. SE NÃO CONSEGUIR TER PRAZER NAS TRÊS, RECOMECE DO ZERO

Se você não consegue gostar do que escreveu, por que alguém no mundo gostaria? Um escritor que agrade aos outros, mas não a si mesmo, caso exista deve ser insano. Ou rico. Mas, antes de querer seguir esse caminho, lembre-se que a chance de você se tornar o primeiro é muito maior do que a de se tornar o segundo.

6ª DICA – SÓ PORQUE CONSEGIU ESCREVER UM BOM TEXTO, NÃO PENSE QUE DESCOBRIU UMA FÓRMULA. LEMBRE-SE QUE A CRIAÇÃO DE UM BOM TEXTO TAMBÉM DEPENDE DO ACASO

Você escreve bem um dia, e pensa que pegou o jeito. No outro dia não sai tão bom, e você fica tentando descobrir o que aconteceu, ou pior, fica tentando se autoparodiar para conseguir o mesmo resultado. Não se preocupe com isso, lembre-se que, como nos esportes e na loteria, o acaso também influencia a criação de um texto. A possibilidade matemática de que um ser humano razoavelmente inteligente, manipulando sentenças em parte tentando criar alguma coisa interessante e em parte devido ao disparo aleatório de potenciais de ação de seus neurônios, consiga criar um texto de excelente para cima, é bem alta. Muitas obras de arte devem ter surgido assim, devido ao simples acaso. Isso não é desculpa para não produzir, já que, como em uma loteria, quanto mais você escrever, maior a chance de, por acaso, acabar produzindo grandes textos.

7ª DICA – NÃO SE SINTA CULPADO SE NÃO CONSEGUIR ESCREVER COM A FREQÜÊNCIA E A QUALIDADE QUE DESEJA

Você consegue levantar acima da cabeça um peso de 4 toneladas? Pode correr 100 metros rasos em 5 segundos? Claro que não (imagino), e não se sente culpado por isso. Sua produtividade intelectual também é limitada pela fisiologia do seu cérebro, logo, também não é sua culpa. Se além da fisiologia o acaso também ficar contra você, acredite, não há ameaça ou promessa neste mundo que faça você escrever nem um bilhete de supermercado. Força de vontade, empenho, garra, nada disso existe mesmo. Lembre-se sempre disso: ninguém é responsável pelo que faz ou deixa de fazer. Nunca.

8ª DICA – SE NÃO CONSEGUIR IMAGINAR NADA, APELE PARA A REALIDADE

Eu sei que a realidade pode ser chata para um escritor. Mas, você pode contar um incidente real e modificá-lo um pouco para ficar mais digerível. Mesmo os episódios mais idiotas e monótonos do cotidiano começam a parecer divertidos quando colocados em palavras. Se estiver com pouca, guarde sua criatividade para o desfecho – se for bom, você terá economizado cérebro e ganho o seu dia em um só golpe.

9ªDICA – USE TODOS OS RECURSOS QUE PUDER PARA PREENCHER ESPAÇO

Títulos, subtítulos, subsubtítulos, aumentar tamanho da fonte, travessão – vale tudo para preencher espaço quando você não tem muito que dizer. Se souber desenhar, ótimo. Se não, também vale colocar uma foto da família ou dos vizinhos. Tudo que o poupar da angústia e do tormento de ser obrigado a colocar todas aquelas letrinhas em uma ordem que agrade os outros é bem-vindo.

10ª DICA – SE TUDO O MAIS FALHAR, APELE PARA A META LINGUAGEM

Comece a conversar com o leitor sobre o fato de você não ter sobre o que escrever. Ou escreva sobre como é difícil escrever um texto interessante. A partir disso pode acabar surgindo algo que preste. Ou não. Mesmo que não surja, você terá preenchido espaço, o que é o objetivo mais básico – e baixo – ao se escrever um texto. A metalinguagem é um recurso utilizado por escritores inteligentes e sofisticados que querem desafiar o leitor a refletir sobre o significado dos atos de escrever e ler. Também é utilizado por imbecis que não tem nada a dizer e acham que é um método fácil de enganar o leitor, fazendo com que ele creia ter lido algo inteligente quando na verdade não leu efetivamente nada. Como todo escritor da vida real, suponho que você é uma mistura de ambos, e os seus textos visarão os dois objetivos – em proporções variáveis, é claro. De qualquer maneira, é um método muito eficaz. Aliás, foi o método utilizado para escrever esta postagem.

“NÃO FAÇA DO SEU LEITOR UMA VÍTIMA – ESCREVA BEM”

Richi Nean